Andorinhas-da-lua
“ As foices voadoras na região extra-celeste imitam, em branco e cinza, bandos de andorinhas-da-lua ” — Paul Celan
Como representar sua própria sombra? Esse questionamento, imbuído por uma sensibilidade outra para com a melancolia, pulsa no âmago da pesquisa artística de Luiz Eduardo Rayol. Em seu universo, o elogio às sombras com ar oriental, inspirado por Tanizaki, revela-se como um convite para enxergar o que frequentemente ignoramos: o complexo jogo entre a beleza sutil do efêmero e o peso de vislumbrar a morte, atuando no limiar do invisível que delimita o visível. Rayol propõe um olhar que transcende a superfície e a representação, onde cada vestígio de sombra e cada imagem que surge narra a finitude e inscreve, em silêncio, a poesia do instante. A representação e a significação se tensionam no espaço da obra, onde cada elemento parece anunciar sua própria dissolução. É um convite para adentrar um espaço íntimo, onde emergem vestígios de narrativas – uma pesquisa introspectiva sobre si mesmo, um olhar para as próprias sombras, um mergulho no abismo para encarar medos, frustrações, pesares e a dor. Nas tradições esotéricas e místicas, encarar as sombras sempre foi considerado um rito de passagem, uma jornada que nos convida a confrontar o desconhecido e a reconhecer a ambiguidade intrínseca da existência, possibilitando a transformação — uma das etapas da jornada do herói, conforme descrita por Joseph Campbell. Rayol, inspirado pelas ideias de Carl Jung sobre os arquétipos — especialmente o da “sombra” —, propõe que o oculto não seja apenas a ausência de luz, mas um campo fértil onde se manifesta a dualidade entre criação e aniquilação. Assim, as sombras se convertem em metáforas do mistério, enquanto as esculturas da mostra evocam figuras alegóricas da morte, cuja ambiguidade reflete a complexa interseção entre o fim e a contínua transformação da vida, convidando-nos a encarar a dor e a refletir sobre nossa própria existência. O título, tomado em empréstimo do poema de Paul Celan, ressoa com essa materialidade rarefeita e, ao mesmo tempo, densa, onde as formas aludem a deslocamentos etéreos, mas também à concretude do mundo ou à busca existencial por ela. As “andorinhas-da-lua” são essas figuras espectrais sugeridas, que evocam um voo em forma de liberdade, abrindo espaço para múltiplas camadas de leitura. Há um tom alegórico que atravessa todas as obras apresentadas. O espectador se depara com fragmentos, rastros, sobreposições e silêncios que acionam uma memória diluída, uma presença que insiste mesmo naquilo que já se foi ou que, talvez, esteja por vir. A materialidade de suas obras – seja na transparência de um volume, na espessura da tinta ou nas foices das esculturas – opera nesse limiar, onde tempo e matéria se embaralham e novos olhares sobre a vida podem emergir.
— Fabrício Faccio
Curador
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